quarta-feira, 15 de julho de 2015

A Subcultura do Descolado

O brasileiro é descolado.

Basicamente o descolado não está colado em nada. E Woodstock já é coisa de vovô. Tem coisa mais “pra frentex”. Contracultura indie. 
Erudição? Coisa de elite opressora. Ele não está colado em convicções, moldes, ideologias, nos clássicos, em visões claras de mundo, em compreender o que se passa, nem em conversas lógicas; porque o descolado surfa na ironia de si mesmo: é uma alma vanguardista cercada de regras “desnecessárias” por todos os lados. Um rinoceronte bêbado pendurado na cauda de um cometa por um fio de compreensão; é o criador de seu próprio mundo na órbita do umbigo.

O descolado acha as diferenças do mundo muito, muito descoladas. E para ele todas as diferenças do mundo deveriam ser iguais – embora ele não saiba explicar exatamente o que isto significa. Para ele, tudo é relativo – menos os próprios gostos e fetiches pessoais, claro, que são “indiscutíveis”. De resto, a realidade é meramente subjetiva, inapreensível, é uma tecnologia ultrapassada. Menos o efeito estufa, este sim algo preocupantemente real!
 
E se alguém insistir que a água é formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, o descolado provavelmente dirá que “depende do ponto de vista” – ou mudará de assunto. Para ele, o que há de padronizado, tradicional e hierárquico é necessariamente brega, fascista, burro, e é varrido rapidamente para uma espécie de ponto cego da consciência. Este ponto cego é o parâmetro que o descolado tem para julgar os não-descolados. E assim ele cria a sua primeira luta de classes na mente: descolados VS. caretas.
 
Um careta, segundo o descolado, é quase que uma assombração: está por todos os lados, supostamente atrasando a evolução do universo, das energias, dos oprimidos, dos pobres e das minorias. No fim das contas, é tudo culpa dos caretas - inclusive o efeito estufa. 

O descolado não é muito afeito a religiões institucionalizadas, mas sim ao ecumenismo livre, desenrolado e serelepe – embora ele não saiba exatamente do que está falando. A sua fé está no bom-mocismo, ou na seleção natural, que ele imagina que exterminará muito em breve os caretas da face da Terra – ou não! Até lá, alimenta o ponto cego indefinidamente com os caretas que ignora, como num HD externo à sua própria realidade.


Mas há algo de errado. O descolado começa a perceber que os caretas são “uma praga que não acaba nunca”. Que eles continuam sendo os caretas de sempre, valorizando o aprendizado acumulado pela experiência histórica, conquistando merecidamente postos de destaque, e repetindo ideias estranhas à modernidade como “verdade”, “legalidade”, “autenticidade”, “moralidade”, “senso das proporções”, “mérito” e “auto-responsabilidade”. O que fazer para acabar com eles? - O descolado pergunta.

Então o nosso amigo tem dois caminhos a seguir: 1. “evoluir” de um descolado para um autêntico bon vivan caipira, como bem define Nizan Guanaes (http://siterg.terra.com.br/news/2014/03/18/procura-se-uma-nova-classe-alta-por-nizan-guanaes/), ou 2. comprar um pijama do Che Guevara, e dormir sonhando com a salvação das “minorias oprimidas” e com o paraíso onde todos os diferentes são iguais (a ele, claro!). Neste segundo caso, nada está tão ruim que não possa piorar. Quem era para ser apenas um sujeito preocupado com o efeito estufa, viciado em todos os seriados e com coceira por novidades, da noite para o dia pode vir a se tornar um “agente exterminador de caretice”. O descolado agora não é mais um simples cara descolado; ele é o mártir do sou-bacana! que vai impor goela abaixo (ou por vias legais discretas) a revolução descolada: você! O cara legal que apóia coisas legais e progressistas porque parecem legais e progressistas! O homem-slogan.
Em nome de tanto descolamento, qualquer sujeito que estiver colado demais será criminalizado. Qualquer atitude mais objetiva será coibida. Qualquer pé fincado na realidade será advertido. Toda acuidade de percepção cética e valorização do passado serão achincalhados, processados. Palavras como “coerência” e “personalidade” serão censuradas, pois se alegaria que "caretizam a nação" - embora eles não saibam exatamente o significado disto. Novilíngua. A pauta de leituras deverá tratar necessariamente de hypes da moda, mas não a moda da "moda", e sim a moda fora do eixo, o mainstream underground, marginalizado, que façam você parecer antenado, plugado e multiconectado. Super à frente ou de revestrés. Pós-futurista! Todas as minorias serão convencidas de que a caretice é a culpa de todo o atraso, e que os caretas são opressores malvados que só centralizam o debate porque sempre tiveram uma boa educação careta. Afinal, o descolado revolucionário valoriza outras coisas mais importantes que uma boa educação, como por exemplo, obrigar os caretas a pensar como ele.



O descolado não compreende como um careta pode fugir do seu estereótipo imaginário e ter posicionamentos consistentes, ou ser carismático. Então, uma estranha revolta vai aumentando em seu coração, proporcionalmente à força gravitacional do próprio umbigo. E à meia-noite de lua cheia o militante descolado, antes apenas um ser caleidoscópico, transforma-se por completo na última linha evolutiva do espécime brasileiro: o vigarista incurável.



Ps: se você tiver um amigo descolado, avise-o com jeitinho de que é bem provável que o efeito estufa não exista. Traga um ombro amigo, pois ele vai ficar um pouco abalado. (https://www.youtube.com/watch?v=NuWezXu5wTU)

Luiz Pelipe Pondé também fala sobre os descolados:
 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2015/07/1654944-a-banalidade-do-bem.shtml



Por:Manoela Baldesco

18 comentários:

  1. Ótimo texto. Deixei de tentar ser 'descolado' quando percebi que estava vagando num tipo de 'vácuo social' onde todos pareciam vultos na neblina.

    Irreverências são interessantes quando são coerentes e não tão 'birrentas'.

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  2. Que texto lindo...perfeita descrição do idiota de plantão!

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  3. Não confundam efeito estufa com aquecimento global. A existência do efeito estufa está comprovada a mais ou menos 100 anos, e infelizmente, o aquecimento global também. Ele é um consenso na comunidade científica (o que se discute é se a causa do aquecimento global é culpa dos seres humanos ou não). Eis aqui alguns dados mais respeitáveis que um vídeo de youtube: http://climate.nasa.gov/ (vocês conhecem a nasa). Mas se mesmo assim vocês preferirem negar a existência do aquecimento global, saibam que vocês não são os únicos: http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/1519/
    "O cientificismo positivista que você opõe à minha devoção ao materialismo dialético como uma ciência da natureza não terá o condão de me converter à doutrina de fé que é a teoria do aquecimento global, ela sim incompatível com o conhecimento contemporâneo" (ou seja, é minha opinião e não mudo).
    "Ao contrário do que pensam os que mudaram muito mais do que mudou o mundo, o chamado movimento ambientalista internacional nada mais é, em sua essência geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo."
    Ah, só pra terminar, eu queria avisá-los que os descolados preferem ter uma visão contrária ao consenso de todos, igual aos negacionista do aquecimento global.

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  4. axo q tao confundindo efeito estufa com aquecimento global...

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  5. E daí ?...onde quer chegar ? O careta é que não compreende o descolado ou o descolado é q não entende o careta?

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  6. No geral, concordo com as ideias do texto, mas por favor, cuidado nas discussões científicas. Em primeiro lugar, como disse o colega acima, Efeito Estufa é uma coisa, aquecimento global causado pelo homem é outra. A primeira existe, não só na Terra como em Vênus e pode ser demonstrada até em laboratório. A segunda é que é questão de debate.

    O outro problema é que o vídeo contra o aquecimento global é muito fraco, o sujeito diz várias abrobrinhas o que enfraquece sua tese pra qualquer um que tenha formação básica em Física. Minhas dúvidas sobre o aquecimento global tem origens mais profundas, baseadas nas diferentes resoluções obtidas entre os métodos de medição indireta de temperaturas do passado remoto (antes das medições sistemáticas) e as medições diretas recentes. Pra mim pode ser um artefato estatístico.

    Ah, como fica claro, discordo do rapaz acima que acha que o aquecimento global -- como consequência da ação humana -- é algo comprovado. Houve aumento de temperatura por uns 25 anos, não dá pra afirmar que a tendência de aumento diminuiu, mas também não dá pra apontar a causa tão facilmente.

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    1. Leia mais uma vez o meu comentário. eu não afirmei que acredito no aquecimento global como causa da ação humana, embora eu de fato acredite nisso (e tenho bons motivos para crer nisso, como você pode ver aqui: http://climate.nasa.gov/evidence/).

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  7. Aí o gelo no polo norte começa a engrossar (já por 4 anos consecutivos) e o Herick vai ver seu mundo cair. Não se preocupe, a nasa não está nem aí pra vc.

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  8. Aí o gelo no polo norte começa a engrossar (já por 4 anos consecutivos) e o Herick vai ver seu mundo cair. Não se preocupe, a nasa não está nem aí pra vc.

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    1. Rafael, você poderia me mostrar onde você leu isso?

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    2. e o mais importante, como essa noticia refuta o aquecimento global?

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  9. Melhor texto que li em 2015, parabéns.

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